Manifestamos profunda apreensão com o avanço do projeto de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para a construção e manutenção de escolas públicas do Estado de São Paulo, cujo primeiro leilão foi realizado ontem, 29/10, sob interdição de manifestações legítimas de estudantes e educadores.
A PPP firmada com a empresa vencedora do leilão prevê a construção de 17 novas escolas dentro de um ano e meio, e manutenção dessas unidades por mais 23 anos e meio, com repasse total do governo estadual no valor de R$3,38 bilhões.
No decreto N° 68.597, publicado em junho deste ano, o governo propõe à iniciativa privada “a concessão administrativa para a construção, manutenção, conservação, gestão e operação dos serviços não-pedagógicos de um total de 33 (trinta e três) novas unidades de Ensino Médio e Ensino Fundamental II no Estado de São Paulo”.
A aposta na adoção dessa medida, de acordo com a atual gestão da pasta de educação do estado, seria ofertar à educação pública “qualidade de escola particular, com infraestrutura top e investimento alto”.
De acordo com a literatura internacional, não há quaisquer evidências que comprovem que a privatização da escola pública aumente o desempenho escolar das meninas e dos meninos. Pelo contrário: traz muito mais perigos do que soluções para a oferta e garantia da educação pública de qualidade, além de acirrar as desigualdades educacionais.
O estudo Escolas Charter e Vouchers, feito pela D3e – Dados para um Debate Democrático na Educação –, analisou cerca de 150 artigos produzidos nos Estados Unidos e três estudos de caso sobre o Chile, a Colômbia e a Suécia, para entender o que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação. Este estudo concluiu que não só houve um impacto nulo ou muito baixo das escolas charter (que contam com repasse da gestão das escolas para uma empresa privada) sobre o desempenho das(os) estudantes, como identificou aumento na segregação das(os) alunas(os) no sistema de ensino.
Outro ponto que merece atenção na proposta de concessão da gestão de atividades “não pedagógicas” para a iniciativa privada diz respeito às relações que se estabelecem com todos os atores da comunidade escolar. Tudo o que acontece na escola faz parte do processo educativo, o que inclui as atividades das áreas “não-pedagógicas” – como a alimentação, a limpeza, a portaria, entre outras. Estas também precisam ser integradas em ações formativas, intencionalmente pedagógicas, para que as relações na escola aconteçam a partir de um lugar de respeito entre todos os atores que participam da vida escolar.
Ao implementar uma gestão administativa separada, na qual a direção escolar não tem nenhuma gerência sobre essas áreas, e que seus profissionais não compreendam o seu papel fundamental na construção de um clima escolar positivo, os riscos de ocorrências de conflitos, casos de discriminação e preconceitos aumentam significativamente, comprometendo a qualidade das relações estabelecidas na escola e, consequentemente, induzindo processos de exclusão e desigualdades.
É importante enfatizar que um dos princípios que regem a educação pública brasileira, tal qual posto no artigo 206 da Constituição de 1988, é a gestão democrática. Isso implica garantir mecanismos e processos de organização e gestão que favoreçam a participação efetiva de diferentes atores da comunidade escolar. Essa premissa aparece também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
A adoção de PPPs, como vemos na educação estadual paulista, vai na contramão de uma gestão democrática prevista para a educação pública e não se associa às necessidades existentes de melhoria da qualidade da educação.
São Paulo, 30 de outubro de 2024.